domingo, 26 de agosto de 2012

O Que é Fun Fashion ?








O que vem acontecendo em uma área do centro do Recife, denominada FUN FASHION pelos jovens freqüentadores é algo no mínimo interessante e para as mentes convencionais algo aterrador.

Ás sete horas da noite, todas às sextas-feiras, no encontro da Rua Giriquiti com a Rua José de Alencar, no bairro da Boa Vista, tendo como vizinhos, um shopping center (centro comercial), num vértice, no outro o bar e lanchonete Pithausen e bem no meio dessa “cruz” formada pelo encontro das duas ruas, fica o ponto convergente de um agrupamento urbano peculiar, que para um místico desorientado, parece ser um portal de um universo paralelo por onde passam seres dos mais variados tipos que vem se encontrar para fazerem uma grande algazarra. Viagens à parte, a FUN FASHION é um ponto-de-encontro de centenas de jovens vindos de diversos bairros do Recife e de outras cidades metropolitanas com o objetivo único e exclusivo: A diversão.

Para um observador preconceituoso e retrógrado este fenômeno tipicamente urbano não passa de uma devassidão, uma pouca vergonha, um caos moral, mas para aqueles apreciadores da liberdade, na verdadeira essência da palavra, é um grande exemplo de coexistência mútua e tolerância à diversidade. Para os jovens participantes nem uma coisa nem outra, tudo é festa, badalação, bebedeiras, azaração e brincadeiras.

São diversas tribos convivendo num mesmo espaço, visivelmente agrupadas nos quatro cantos da encruzilhada, de um lado, os punks-góticos, do lado oposto, a galera GLS. Na outra extremidade da “cruz” ficam os surdos-mudos, gesticulando sem parar, conversando assuntos dos mais variados. No vértice final a galera havy metal, deep metal, dark metal.

É uma divisão sutil. E o mais interessante disso tudo é a coexistência pacífica entre os grupos. A princípio tem-se a impressão que essa aglomeração é um grande barril de pólvora, que a menor faísca, fará com que tudo voe pelos ares. Facilmente pensamos que um grupo vai se confrontar com o outro a qualquer momento, por divergências de atitudes, mas ao contrário do que se pensa, eles se respeitam mutuamente. Agem como se aquele turbilhão de diferenças fosse a coisa mais natural do mundo. E não deveria ser? A livre circulação para este ou aquele lado por pessoas de grupos distintos acontece com freqüência. Não existem fronteiras intransponíveis. É uma festa verdadeiramente democrática.

Tomamos como péssimo exemplo os grupos radicais paulistanos neo-nasistas, skinheaders e alguns lutadores de jiu-jitsu munidos com seus pitbulls, que se julgam superiores aos membros de grupos diferentes dos seus, chegando a matar seus “rivais” sejam eles nordestinos, homossexuais ou apreciadores de bandas diferentes das que eles gostam.
Isso não acontece na FUN FASHION. O que vimos aqui é um grande exemplo de tolerância, no semblante dos jovens não existe o menor sinal de rejeição dessa ou daquela pessoa, mas infelizmente podemos observar os olhares de reprovações dos que atravessem essa massa popular diversificada, enclausurados em seus carros devidamente lacrados com os vidros fechados temendo algum perigo. Que perigo? Não existe perigo. Enquanto outros passam com os vidros abertos dando tapinhas nas bundas das meninas que gritam: Huuhhuuuuuu. E esse é o mesmo grito que os jovens soltam quando encontram alguém conhecido.

A grande maioria do público da FUN FASHION são jovens de 18 a 26 anos, trabalham de segunda a sexta, alguns inclusive os sábados, outros são estudantes universitários e alguns do secundário, mas não sejamos hipócritas, existem alguns malandros que se infiltram na multidão e cometem delitos que acabam repercutindo negativamente.

No lado GLS, gays, lésbicas, bissexuais, simpatizantes, travestis, drag queens, parte deles ficam no bar, ou na frente deste, paquerando, namorando, azarando. Os tipos são variados, com visuais cheios de estilos multicoloridos, alguns extravagantes, engraçados outros discretos. Drag Queens gigantes, pequenas, gordas, magras, todas com seus leques orientais abrindo e fechando, exibindo seu poder, cada “uma” mais importante do que a “outra”. Algumas “delas” panfletando e anunciando em mega-fone a boate a qual prestam seus serviços.



É comum ver casais de mulheres, jovens garotas se beijando, muitos casais masculinos dando beijo de língua em plena rua, mas o estranho não é ver casais do mesmo sexo se beijando, e sim gays cheios de afetações namorando meninas lésbicas. Tudo pode acontecer. Nada é previsível. Padrão. “Certinho”. É pra fazer qualquer falso moralista ou religioso fervoroso cair duro no chão, se escandalizar, pirar de verdade.

Lembre-se que estamos no centro do Recife a capital do estado nordestino de maior contingente de cabras-machos-sim-sinhô do Brasil. E nem por isso aparece um extremista cangaceiro com espingarda na mão destruindo os homossexuais.

Vizinho ao bar tem uma igreja evangélica com quatro ou seis fiéis, que faz expediente no horário da festa, talvez tentam pretensiosamente sem sucesso converter, atrair as “ovelhas perdidas” da FUN FASHION para seu negócio rentável e submetê-los a uma rigorosa vida fanático-religiosa. Eles não aprenderam ainda a respeitar a lei do livre arbítrio criada por Deus. Cada um é livre pra viver como quiser. Uns preferem viver como monges tibetanos, meditando na posição de lótus, outros preferem se vestir de preto dos pés a cabeça e sair para a FUN FASHION se divertir. Isso é o legal da liberdade de expressão (comportamental). Seria um tédio se todos fossem iguais, padronizados.

No lado punk-gótico, o grupo tem suas esquisitices, seu jeito de ser particular, suas excentricidades. A grande maioria desse grupo veste preto, alguns aparecem totalmente de preto com botas e sobretudo, pulseiras metálicas pontudas, cruxificos enormes, piercing na sobrancelha, na língua, na orelha, tatuagens cobrindo o corpo, parecendo vampiros urbanos. Os cabelos então, é uma variedade, curtos, longos, raspados, cobrindo os olhos, espetado para cima, pra baixo, para os lados, amarelos, roxos, laranjas, rastafaris, blackpower, uma riqueza visual para os olhos acostumados ao padrão cotidiano. As meninas também usam preto. Saias pretas, botas All Star preta, camisa preta com estampa da banda favorita, colares bizarros, lábios pintados de roxos. São elas que apimentam a festa. Cada um com seu estilo, sua personalidade. O normal na FUN FASHION é ser diferente.

É carnaval? Que nada! Estamos em pleno mês de julho.

Eles fumam, bebem vinho Carreteiro e dançam ao som estridente do porta-malas de um carro popular encostado na esquina. É uma cena dantesca ver os jovens de preto dançando pra lá e pra cá em ritmo acelerado, garotos com garotos, garotas com garotas, homens com mulheres, trios mulher-gay-mulher. Para os desacostumados com a festa e que passam rapidamente, é um vandevour, um fuzuê, uma bagaceira, o fim-do-mundo. Mas pra quem já ouviu falar do Woodystock americano, diria que a FUN FASHION é algo parecido, logicamente de proporções menores, em quantidade de pessoas, importância e especialmente na utilização de drogas. A principal droga da FUN FASHION, parece ser a dança, a diversão, a cachaça e o vinho.

Quando a polícia chega o som é imediatamente desligado, os policiais descem com pistolas nas mãos, põe a arma na cintura e começam a escolher os suspeitos para a revista, o velho baculejo de sempre, nada grave. Que façam seu trabalho, mas não acabem com a festa. Democracia é isso mesmo. Ao sair a polícia, o som volta a tocar e a festa continua até a meia-noite mais ou menos, quando é hora de voltar para o mundo de onde vieram, seja ele toca, casa ou caverna. Mas muitos irão terminar a noite em outros locais... Não fica ninguém, um pé-de-pessoa. É como se houvesse um acordo coletivo para a evacuação completa.

Por isso, atenção pesquisadores sociais, escritores regionais, jornalistas de plantão, políticos liberais, levantem-se de suas cadeiras, saiam das bibliotecas, larguem os livros impregnados de ácaros e venham ver o que está acontecendo na FUN FASHION, um verdadeiro campo de pesquisas, um grande laboratório social ao ar livre, local ideal para se levantar teorias ou derrubá-las. Lugar onde coisas acontecem, manancial de estórias estranhas, assuntos dos mais variados, pano pra muito manga.

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